sexta-feira, 11 de maio de 2007

Nossa infância


Eu e Ivana nos sentamos à mesa (sempre à mesa) para prosear.

E o assunto havia sido sobre nossos brinquedinhos.

Já que papai não tinha dinheiro para nos comprar produtos industrializados e nunca tínhamos bonecas ou brinquedos, nós mesmos fazíamos nossas caixinhas, bonecas, carrinhos, mesinhas, cadeiras e outras coisas.

Isso tudo nos ajudou a entender que a vida é difícil e é com dificuldade e trabalho, além de muita criatividade, que atendemos às nossos necessidades.

Construir nossos próprios brinquedos era algo bom. Emocionante!

Ainda me lembro que ganhei de alguém uma lâmpada bem pequenina. Eu e Marquinhos adaptamos àquela pequena luz a uma pilha também pequena e conseguimos, assim, iluminar a casa da minha boneca.

Montei mesas com cadeiras. Sofás. Caminha. Tudo de material velho, caixas de fósforo e giz. Além de papel colorido.

Essa casinha era uma parte da estante. Quando fechava a porta, lá dentro ficava muito escuro e já que eu pensava que minha ‘filhinha’ teria, como eu tinha, medo de escuro, deixava sempre a luz acesa para iluminar aquele espaço.

Um dia briguei com Marcos. Não me lembro o porquê. Ele, com raiva, destruiu a casa de minha boneca e jogou todos os ‘móveis’ num terreno baldio que havia ao lado de nossa casa.

Junto da casa do Bicho Manjaléu.

(Poxa, Marquinhos! Até hoje eu não lhe perdoei por isso, viu?!)

Chorei muito nesse dia. Muito. Como é que alguém poderia ser assim? Sem coração? Uma pessoa terrível de cinco anos de idade, aproximadamente, que é capaz de destruir a mais linda casa de bonecas (e iluminada!) que existia! Será que ele não tinha coração?

E como é que eu ia enfrentar sozinha o Bicho Manjaléu para recolher todos os móveis e arrumar de novo a casa da boneca? Poxa! Quanto trabalho! Que medo!

Em pouco tempo aquela pessoa terrível e sem coração foi comigo, me protegendo do furioso imaginário Bicho e recolheu, numa caixa, tudo de volta.

E me ajudou a montar de novo a casa que, agora, ficou mais feliz e bonita.


Depois de ouvir toda essa história Sarinha comentou com seus brilhantes olhos verdes: “Puxa! Vocês faziam muita reciclagem quando eram crianças! Isso é maravilhoso!”


Eu e Ivana olhamos uma nos olhos da outra. Olhos arregalados. Que conclusão interessante de uma criança de seis anos...

O que Sarinha leu foi o contrário do que estávamos falando. Eu e Ivana falávamos de nossa pobreza e do quanto foi dura a nossa infância sem brinquedos.

Falar de reciclagem ou meio ambiente em nossa época, há mais ou menos vinte e cinco, trinta anos atrás era algo inusitado. Nem passavam em nossa mente infantil coisas desse tipo.

O mundo gira, as coisas mudam. O tempo passa.

Em nossa idade o que nos chamava a atenção era justamente nossa carência.

Para Sarinha o que importa é o meio ambiente. Provavelmente porque ela não entenda o que significa não ter. Ela tem tudo o que deseja... Suas demandas já são outras. Bem diferentes das nossas...

Penso que além disso prevalecem as diferenças culturais, as distâncias de gerações.

Há trinta anos não se falava com tanta naturalidade em meio ambiente ou reciclagem.

Nossas necessidades infantis eram outras. Nossos desejos, também.

Falar de lixo, material reciclado, meio ambiente, consumo e temas assim são sim, uma necessidade urgente. De todo o Cosmos.

Criança de hoje tem que falar dessas questões mesmo. Infelizmente.

Mas ainda temos crianças que, como nós em nossa infância, além de não terem visão ambiental, não possuírem bens e não puderem brincar, precisam trabalhar. Uma perversidade esse sistema capitalista!

E ainda se vê gente defendendo esse capitalismo desenfreado.

Que pena!


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