domingo, 1 de agosto de 2010

LONGE DE CASA...

Seu desejo era apenas um: voltar para casa. Mas a cada tentativa, depois da guerra entre a Grécia e Tróia, algum detalhe, algum pequeno erro, qualquer vacilo de seus marinheiros, fazia o caminho impeditivo: chegar em casa, ver sua mulher e seu filho era tarefa insistentemente perseguida para Ulisses, segundo a lenda de Homero.

Para o filho pródigo, narrado na Escritura, não foi tão difícil. No momento em que o moço caiu em si, pode baixar a guarda e afirmar: vou voltar e pedir a meu pai que me deixe viver como vivem seus empregados. E foi festa, foi anel no dedo, roupas novas, vinho novo. Ao ponto de incitar ciúmes no irmão mais velho que, irado por ver o vulto de seu retorno, contundiu com o pai sobre o porque de tanto amor a alguém que não o merecia.

Alguns pacientes em Psicanálise estão assim: hora são dependentes de seus pais. Outra, da namoradinha. Depois, dependem de status. Em seguida, viciam-se por drogas. Por bebidas. Por dinheiro. Vícios que, na realidade são substituídos pelo apropriado e difícil caminho do auto-conhecimento.

Voltar para casa, do ponto de vista psicológico, está ligado a voltar para si mesmo. Voltar-se para seu próprio eu, que deverá e poderá ser fortalecido pela reconstrução de sua própria história, pela re-elaboração de sua auto-estima, pela descoberta do valor da sua vida – ainda que a seus próprios olhos sua vida não tenha sido e nem seja das melhores.

O primeiro passo para o auto-conhecimento seria o retorno a si mesmo. É dar um passo aquém de mim. É rever meus princípios, meus valores. Perceber em que posso produzir, valorar minha vida. Quanto de lição, de amor, bondade, alegria vivi. Qual sentido dei e dou à minha existência. O segundo passo seria traçado a partir do outro. Do não-eu. Do sujeito social que há além de mim. Que é construído, sim, por mim, mas tendo como ponto de partida o meu par. O outro que não sou eu. E isso está além de mim.

No caso de Ulisses, qualquer vacilo cometido significaria mais algumas milhas para o retorno à sua casa. Mas Ulisses não perdia as esperanças, o rumo. Ele queria mais do que tudo, cumprir seu desejo de chegar. Retornar para casa movia sua vida, dava-lhe coragem e forças para enfrentar monstros, mares, tempestades, medos, poderes. Ele não se deixava abater. Esta é uma grande lição. Não desistir nunca de seus sonhos é um tema que já virou lugar comum na saga humana.

O filho pródigo quis retornar ao Pai. Esse movimento que toca o espiritual e está distante desse emaranhado religioso que tem parecido moda no Brasil. Retornar ao Pai foi, para o filho pródigo, um grande retorno às suas raízes, à sua identidade. Voltar é sempre bom quando se está sendo esperado e, de fato, o melhor momento da viagem é o retorno para casa.

O caminho do auto-conhecimento não é algo fácil. Não mesmo. Dói, dói muito. Fere, machuca. Todavia é uma odisséia para a qual todo homem e toda mulher deveria estar motivado a fim de resgatar sua história, ressignificar suas origens, seus revezes. Dar novo fôlego à sua existência, re-elaborar sua dor e construir, a partir de tudo isso, sua realização pessoal ou um forte motivo para seguir adiante. Já dizia o poeta que navegar é preciso. Sim, meu caro. Viver também o é.

Que haja alegria em nossos horizontes. Esperança em nossos passos e vontade de chegar em casa. Acima de tudo, coragem de chegar em si, no seu canto existencial, assumindo-se como gente, como ser humano.

Homero nos deixa a lição da coragem e da perseverança para seguirmos nosso caminho. Provavelmente Ulisses não pode desfrutar dos braços ternos, belos e dóceis de sua amada. Mas Ulisses seguiu adiante, perdendo homens, vivenciando horrores. O medo de cada esperiência não foi maior que a insistente e teimosa vontade de se realizar como homem, acima do herói.

O filho pródigo nos ensina o poder da humildade. Sua consciência de que viver entre porcos não era algo para ele o levou a pedir desculpas e retornar para casa. Se voltar para casa é algo maravilhoso, imagine para alguém que já nem tinha esperanças de que isso seria possível algum dia?


Nos dois casos, a consciência de que era necessário retornar justificava vencer qualquer obstáculo. Nada era motivo de desistir do calor paterno (para o Filho pródigo), dos braços da mulher amada e do sorriso do filho (Para Ulisses). Ter a consciência fortalecida é tarefa primordial em Psicanálise. Esse caminho nos leva de volta para casa. Nos acalenta e alma e dá saúde ao corpo.

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1 Comentários:

Blogger Pris Soares disse...

Ieda,
Estou precisando muito da sua ajuda. Estou fazendo a cantata Barquinho Azul com o coro infantil de minha igreja, em Guarapari. Porém, como vc, estou tendo dificuldades de conseguir o play-back ou a partitura dessa cantata. Na verdade, até consegui um play-back, mas esse está sem condições de uso. Se vc tiver a partitura, já me ajuda muito...
Obrigada desde já. Meu blog é davidaaoamor.blogspot.com - estarei aguardando sua resposta nos comentários. Bjsss.

24 de agosto de 2010 às 14:25  

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