sábado, 7 de abril de 2007

Culturas locais





Já que hoje estou sem inspiração para escrever vou usar textos do poeta português Fernando Pessoa e do russo Vladimir Maiakovski.

Os dois pontuam coisas que, para mim, são significativamente importantes do ponto de vista de nossa cultura e do desrespeito que mundialmente se instalou, depois da chamada globalização.

De forma velada as expressões populares têm sido destruídas em função de uma imposição externa forte o bastante para nos forçar a mudar nossas atitudes e transformar o que somos e temos no que eles querem que sejamos e tenhamos. Especialmente que ‘não tenhamos’.

Por essas questões as culturas de massa estão aí, vendendo produtos de uma indústria cultural poderosa e opressora sobre as culturas dos países pobres e não industrializados.

Nietzsche critica esse estado de coisas. Adorno também pontua essas questões quando sinaliza os desmandos da cultura alemã.

Cada um em sua época, gemendo sua dor. Dor tão pouco sentida pela população porque ela toda vai com a multidão. Como a música do Zeca que diz: “deixa a vida me levar.”

Pensar dá muito trabalho mesmo.

A gente vai tentando construir nossa cultura. Cada um em sua época, discutindo, e refutando ou aceitando as imposições das elites e dos poderes instituídos sobre as pessoas.

Voltando ao assunto, veja o que diz o Maiakovski em relação à postura de submissão e aceitação popular:


"Na primeira noite
Eles aproximam-se
E colhem uma Flor
Do nosso jardim
E não dizemos nada.

Na segunda noite,
Já não se escondem:
Pisam as flores
Matam o nosso cão,
E não dizemos nada.

Até que um dia
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a lua e,
Conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta
E porque não dissemos nada,
Já não podemos dizer nada."


Depois dele temos nosso Fernando Pessoa que faz uma comparação entre o rio do Tejo, grande e famoso e o riozinho que corre pela sua aldeia.

Pessoa é de uma sensibilidade impressionante.

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,

O Tejo tem grandes navios

E navega nele ainda,

Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,

A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha

E o Tejo entra no mar em Portugal.

Toda a gente sabe isso.

Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia

E para onde ele vai

E donde ele vem.

E por isso, porque pertence a menos gente,

É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.

Para além do Tejo há a América

E a fortuna daqueles que a encontram.

Ninguém nunca pensou no que há para além

Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada

Quem está ao pé dele está só ao pé dele.”

Se quero contextualizá-lo hoje, para mim, Pessoa faz uma pertinente citação acerca da importância da riqueza local em contraponto à globalização exacerbada que não respeita as identidades locais estabelecidas. Desconstrói, enquanto valoriza algo que é seu (no caso, o rio da sua aldeia), o mito de que a grama do vizinho é sempre mais verde do que a minha.


Obs.: Mito da grama verde
Figura 1
Figura 2

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