sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Sociedade das bugigangas

Aproximam-se as festas do final de ano. Natal virou sinal de compras, de cores, luz, festa. Especialmente presentes. Mil presentes. Para a Maria, um par de brincos. Para João, umas chuteiras. Para Flávia, três presilhinhas para seus cabelos claros e alisados pelas chapinhas. Por falar nisso, um alisador de cachos para Camila. E assim vai.

As necessidades da gente vão virando desejos. Eu quero dois CD este fim de ano. Quero também mais cinco pares de sapatos, embora só tenha dois pés e já tenha no meu armário outros trinta e quatro – verdes, amarelos, azuis, já que estão na última moda – que ainda não foram usados. Além disso, outras camisetinhas básicas porque ninguém é de ferro.

Para sobreviver, não preciso só de afeto, alimento, alegria, bem estar, saúde, trabalho e vida. Preciso de mais três bolsas, quatro novos brincos – um dourado, um prateado, um branquinho e outro vermelho. Acredito veementemente que quanto mais bugigangas eu tiver, mais feliz serei. E vinculo minha satisfação e bem estar a novas compras, presentes, pequenos mimos. A vida vai virando uma lista interminável de coisas que, na ausência delas, coitada de mim. A idéia de que quanto mais bugigangas terei mais serei feliz parece estar estampada na cara de todo mundo.

Aos poucos, vou coisificando minha existência. “Tenho que comprar” virou lugar comum na boca de todo mundo. Por um lado, com as políticas públicas e as propostas de erradicação da pobreza, de fato, mais pessoas tem podido comprar – esse é um dado emancipador. Por outro lado, a ilusão de que quanto mais coisas eu tiver mais feliz serei também é uma idéia equivocada pois lá se vão nosso poder criativo, nossa capacidade crítica, nossa transcendência.

Por falar em transcendência, as religiões atuais são campeões nessa área. A quantidade de produtos que se vendem na TV, na mídia de um modo geral, é impressionante. E nessa questão, todo mundo peca. As campanhas giram em torno de “essa, você não pode perder”. O último lançamento do CD, os últimos livros de fulano de tal, os objetos de fé, os símbolos religiosos de um modo geral. Ninguém escapa dessa nova onde de: “aqui o terreno é do céu, então compre!”
E a gente vai reduzindo nossa humanidade a cada dia. Valho o que tenho, não mais o que sou. Preferencialmente se estou coberta por uma bela roupa de marca, último lançamento da coleção tal. "Ser" deu lugar ao "Ter" ou simplesmente a “parecer Ter".

“Olhar para os lírios dos campos” para mim tem um significado singular. Preciso mesmo de tantos objetos para estar bem e ser feliz? O que pede meu coração frente a tantos apelos voltados ao consumo? Posso pensar claramente sobre o que de fato preciso, sem imposições alheias?

São perguntas que me faço neste fim de ano, desejando de coração que haja mais paz, mais saúde, mais tranqüilidade e satisfação numa vidinha minha que quase escorre pelas minhas mãos quando reduzo meu poder criativo e minha cidadania à mero consumo.

Somos seres humanos, não apenas consumidores!

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