sexta-feira, 3 de junho de 2011

Conforto


Apesar de estar absolutamente na moda a dica de "sair da zona de conforto" e enquanto todo mundo corre para garantir seu lugar ao sol nesse nosso mundo capitalista que nos impõe obrigações em prol da sobrevivência e de sempre ter mais, vale a pena pensar um pouco sobre um tipo de conforto que não esteja ligado ao que a gente comumente pensa. Quero discutir conforto do ponto de vista imaterial, intangível, necessário e indispensável ao nosso bem estar emocional. Aquilo que dá sabor e cor à nossa existência.

Quando a gente é pequeno é mais fácil. Excetuando-se um ou outro caso em que prováveis fatalidades podem ter ocorrido, a gente teve o colinho da mãe ou de outra pessoa que nos tenha feito a maternagem da qual necessitamos para nosso normal desenvolvimento individual e emocional.

Sem choramingos, todos nós tivemos sim alguém - um pai, uma irmã, um tia, uma babá - que cuidou de nós, nos limpou, que nos ajudou a crescer e a construir aos poucos nossa identidade pessoal e emocional. Ideal ou não, tivemos cuidados especiais senão não estaríamos sequer vivos. O bebê humano precisa disso para viver.

Mas a gente cresce. E embora se desconfie que há, vez por outra, quase que por pura carência afetiva, uma extrema necessidade de receber e dar um abraço apertado em alguém, de receber um toque respeitador, um olhar afetuoso e não julgador, raras vezes a gente organiza a idéia do quão importante é um abraço quando adultos.

Quando abraço, ao mesmo tempo sou abraçada. Nesse momento as minhas exigências internas tem contato com o mundo externo. Talvez aí mesmo eu encontre a ponte entre a minha subjetividade e o mundo objetivo, equilibrando, assim, minhas emoções. Isso nos dá chão e nos equilibra.

Mas o adulto pode ser tentado a pensar: se sou uma pessoa adulta, não preciso mais de acolhimento. Nem preciso dar ao outro, ao meu não-eu, um pouco de afeto. Isso se intensifica mais ainda quando se tem o hábito de sensualizar as relações. Grande prejuízo para nosso viver.

Adultos, adolescentes, idodos e crianças necessitam de apoio emocional - mereçam ou não. Precisamos de cumplicidade, de carinho, de cuidados, de um lar que nos promova segurança, afeto, o mínimo de consciência de que não estamos sozinhos no espaço e no tempo. Se meu lar não me dá essa noção, preciso criá-la. Com minha criatividade. Com disposição e coragem. Mesmo que seja só daqui pra frente. Sempre há tempo para refazer as histórias.

Gosto de ler Dr. Winnicott (1) pontuando a importância do cercadinho. Gosto de saber que somos seres dos outros. Gosto de saber que, por exemplo, sou de minha irmã e ela é, de alguma forma, minha. Gosto pensar na idéia de que, aos poucos, desde o abraço da mãe, indo para o bercinho, para o cercadinho, partindo do aconchego familiar, da primeira escola, até os primeiros contatos sociais vou adquiririndo minha independência pessoal e meu jeito próprio de ser. Vou amadurecendo a partir do outro, sempre.

É no outro que podemos ter apoio emocional. É a partir da minha relação com o outro que me vejo e me faço gente. É a partir dele que acolho e sou acolhida, apesar (muitas vezes) de nós mesmos e nossas tão frequentes falhas, fragilidades e equívocos.


Ref.: (1) D. Winnicott - A família e o Desenvolvimento Pessoal.

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1 Comentários:

Blogger Messias Brito de Jesus disse...

Oi Ieda, não conhecia seu blog e só fiquei sabendo a pouco q vc estava na seara da psicanálise. Q bom! Fico mto feliz!
Lendo seu post lembrei-me de Pessoa "Nada existe, tudo coexiste, talvez assim esteja certo", lembrei também do ser-sendo com os outros de Heidegger e da sua idéia de ser humano como um ser de compaixão e cuidado, sem falar na alteridade de Lévinas, nossa quanto coisa boa vc me trouxe agora...
Já fiquei interessadíssimo por seu blog, pois gosto mais de ler sobre o essencial, o que realmente importa: a vida, os relacionamentos, a interioridade, o bem-viver, a busca de uma existência plena e outros temas q ganham muito espaço por aqui...
Já q vc falou em abraço, acho q estou com saudades do seu abraço... rsrsrs
Bjos

21 de junho de 2011 às 18:07  

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